quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dilma virou minoria em seu próprio governo

“Parece ter ficado uma lição sobre a base de sustentação imensa mas sem qualquer alinhamento ideológico da presidenta: paquidermes podem ser animais bem dóceis, até resolverem não ser”


Rudolfo Lago*

A jabuticaba é coisa de Deus, que inventou de colocar a fruta pretinha que estoura na boca da gente só no Brasil. Talvez por não serem coisas de Deus, outras exclusividades que se inventam por aqui acabam ficando bem longe de serem agradáveis e perfeitas. Nossa última inovação aconteceu no campo da política. Durante a última terça-feira (24), no Congresso Nacional, inventamos a presidenta que não tem maioria dentro do seu próprio governo. Aquela que fica falando para as paredes no suntuoso gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto enquanto seus auxiliares e a sua base de mais de 70% da Câmara lhes enviam uma solene banana.

É comum acontecer, em países que, ao contrário daqui, não têm eleições para o Executivo e para o Legislativo casadas, os presidentes ficarem em minoria no Congresso. Mesmo aqui, quando a eleição de 1989 foi solteira – só para presidente -, Fernando Collor não tinha a maioria. Agora, nunca se viu um governante eleger uma base avassaladoramente grande, fazer a oposição entrar em parafuso, forjar a quase extinção de uma das suas legendas adversárias, e, mesmo assim, perder de forma vergonhosa. Na votação do Código Florestal, Dilma não foi derrotada por seus adversários. Ela foi derrotada pelos seus aliados. Ficou, assim, em minoria dentro do seu próprio governo.

Duas frases ditas durante a quarta-feira resumem com perfeição esse fenômeno. A primeira foi dita pelo líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN): “Eu também sou governo”. A segunda foi dita pela senadora Kátia Abreu, do Tocantins, líder ruralista que está trocando o DEM pelo PSD: “Se eles têm os ministros do Meio Ambiente, nós temos os ministros da Agricultura”.

Henrique Eduardo Alves orientou o PMDB a desafiar solenemente as orientações vindas do Palácio do Planalto. Quando questionado, disse que ele era tão governo quanto a presidenta! Ou seja: negou a Dilma o posto de chefe, colocou-a como mais uma. Que, naquele momento, devia enfiar a viola no saco porque estava em minoria. E Kátia, que não é governo, arrematou com uma constatação certeira: o governo é mesmo dividido com relação às questões ambientais, abriga ao mesmo tempo ambientalistas e representantes do agronegócio. A senadora, pelo menos, mostrou que, neste ponto, o conflito enfiado dentro do próprio governo não é uma exclusividade de Dilma.

Adotou-se no Brasil uma lógica de composição de maioria política que o ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta certa vez apelidou de “partido-ônibus”: apertando, sempre cabe mais um. Não interessa saber como o político pensa, se tem alinhamento ideológico com os pensamentos que vão nortear a administração, nada disso. Se está disposto a votar com o governo, é bem vindo. E ganhará seu naco de poder. Assim, os governos brasileiros costumam ter gente ligada a toda e qualquer linha de pensamento que possa se reverter em votos nas eleições e nas votações no Congresso. Há o megaempresário e há o sindicalista. Há o religioso retrógrado e há o cientista arrojado. Há o moralista conservador e há o representante dos homossexuais. E há o ecologista e o empresário rural. Que tudo se resolva na base da queda de braço. E, Dilma viu agora, se o presidente ficar do lado menor, problema dele.

O que tornou a vida de Dilma ainda mais complicada na terça-feira é que sua orientação não partia exatamente de uma profunda convicção ambiental, mas de um cálculo político. Na estratégia de conter os avanços de Marina Silva na campanha presidencial, ela firmou compromissos com ambientalistas com relação ao Código Florestal que tentou cumprir. As brigas que teve com a própria Marina no governo Lula, que levaram a ex-senadora a deixar o Ministério do Meio Ambiente, já davam a Dilma a fama de alguém não muito preocupada com a questão ambiental. Assim, ela de forma alguma queria aparecer alinhada com aqueles que defendiam no caso do Código Florestal uma posição que punha em risco o meio ambiente.

Para evitar mais desgaste, o governo resolveu, inclusive, fazer um adiamento. Como o Congresso em Foco chegou a noticiar aqui na semana passada, já estava tudo acertado em reuniões que aconteceram na Casa Civil para que fosse liberada a licença ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte. Segurou-se a licença: imagine Dilma enfrentar ao mesmo tempo o desgaste da derrota no Código Florestal com a liberação para a construção da polêmica usina, alvo da fúria dos ambientalistas. Resolveu-se cozinhar Belo Monte em banho-maria mais um pouco.

Dilma está furiosa. Foi tratorada pelos seus aliados. Para quem tem fama de mandona, deve ter sido mesmo horrível ficar de espectadora na votação do Código Florestal. Parece ter ficado uma lição sobre a sua base de sustentação imensa mas sem qualquer alinhamento ideológico: paquidermes podem ser animais bem dóceis, até resolverem não ser.


*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão

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