quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Everardo: "Governo foi arrogante e incompetente"
Quinta, 13 de dezembro de 2007, 10h19 Raphael Prado



Um dos "pais da CPMF", Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal do governo Fernando Henrique Cardoso, responsável pela implementação do imposto e defensor da cobrança, acha que o governo foi "tremendamente arrogante e incompetente" na negociação com a oposição. Everardo já havia defendido que era impossível acabar com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira neste momento (leia aqui).

Para ele, era preciso ter enaltecido os benefícios da CPMF ao invés de bater na tecla do "a favor de sonegadores". O governo chegou a dizer que, se o imposto fosse extinto, programas sociais teriam que ser cortados do Orçamento. Everardo discorda:

- Não, não vai. (...) Certamente vai eleger outras coisas, como emendas parlamentares. É mais razoável. É possível que tenha repercussão sobre investimentos públicos, ou algum grau de redução do superávit primário.

Isso, para ele, pode afetar a confiança do mercado em relação à capacidade do País de honrar sua dívida. E, como conseqüência, pode aumentar a taxa de juros - hoje em 11,25%.


O ex-secretário da Receita acha muito provável o aumento de outros impostos para compensar o fim da arrecadação prevista em quase R$ 40 bilhões que seria gerada pela CPMF em 2008. Mas acredita que é cedo para prever se haverá redução do crescimento do País no ano que vem. O IBGE divulgou hoje um aumento de 5,7% do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre de 2007, em relação ao mesmo período do ano passado.

- Algo que pode ser feito por decreto: um aumento de 0,38 na alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), de caráter compensatório, justamente naquelas bases comuns entre IOF e CPMF - afirma o ex-secretário.

Ele também diz que pode haver aumento da Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico), que taxa combustíveis, e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) incidente sobre bebidas alcoólicas.



Leia a íntegra da entrevista com o ex-secretário da Receita Federal:

Terra Magazine - Já é possível fazer uma análise de curto, médio e longo prazo do fim da CPMF?


Everardo Maciel - Sim, tem repercussão obviamente sobre o equilíbrio fiscal. Mas é preciso conjecturar sobre que medidas serão adotadas para compensarem a perda da CPMF sem prejuízo do equilíbrio fiscal.




Corte no Orçamento, inclusive com ameaça de diminuir verbas para programas sociais, PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)... isso vai acontecer mesmo?



Não, não vai. Tudo o que eu falar aqui é no plano da conjectura, mas eu acho muito pouco provável que faça isso. Certamente vai eleger outras coisas, como emendas parlamentares. É mais razoável. É possível que tenha repercussão sobre investimentos públicos, ou algum grau de redução do superávit primário. Mas tudo isso que eu estou falando tem conseqüências. Não é uma medida neutra. Por exemplo, dependendo do que se faz no superávit, pode ter repercussão sobre o risco-país, sobre o grau de confiança que tem os investidores na capacidade de o País honrar a sua dívida. Até mesmo com repercussão sobre queda da redução dívida pública/PIB. E, portanto, isso pode ser compensado por juros. E juros, como se sabe, têm repercussão sobre a atividade produtiva.


Então o fim da CPMF pode ser compensado com o aumento da taxa de juros?Sim.

E coincidentemente hoje foi divulgado um aumento de 5,7% do PIB no terceiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado. O senhor imagina que o crescimento pode diminuir com essa necessidade de equilíbrio fiscal no ano que vem?
Não dá para fazer um juízo desses. É muito cedo para fazer uma previsão, porque o crescimento do PIB depende de inúmeras variáveis e apenas uma delas é o equilíbrio fiscal.


Muito provavelmente, então, haverá corte de gastos. Mas e em relação à receita?


O governo vai tentar compensá-la, vai haver aumento de impostos?Muito provavelmente. Eu posso até dizer de quê. Algo que pode ser feito por decreto: um aumento de 0,38 na alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), de caráter compensatório, justamente naquelas bases comuns entre IOF e CPMF. Ou seja, trocar a CPMF pelo IOF. E acho que deve haver aumento na Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSSL). Acho que mais provavelmente em relação a instituições financeiras do que um aumento generalizado. O que é possível, porque tem amparo constitucional. Eu acho que é possível que seja, e é até uma matéria que está em discussão no Supremo, se restabeleça as bases de cálculo do PIS e Cofins pela inclusão das receitas financeiras. É possível que tenha repercussão em alguns tributos, como Cide, dos combustíveis, IPI, em bebidas.


Dessa forma, então, é quase impossível que se faça uma reforma tributária no País? Porque para tirar um imposto provisório, é preciso compensar em outros impostos... não fica complicado reformar o sistema brasileiro?


Há um grande equívoco sobre reforma tributária. Não existe reforma tributária para diminuir a carga tributária. Isso não tem precedentes no mundo. As pessoas se equivocam. As que defendem a reforma tributária têm sempre a impressão que a reforma vai reduzir a carga. Não conheço, não há precedentes nas políticas tributárias do mundo quem fez reforma para reduzir a tributação. Eles fazem para modificar a qualidade do sistema, mas não para reduzir. Geralmente é para aumentar. A única exceção que eu me lembre de toda a história recente foi a política adotada por (Ronald) Reagan, lá nos anos 80. É um grande equívoco do lado dos contribuintes que ficam: "e quando virá a reforma tributária?". Essa reforma, isoladamente, não implicará em redução de carga tributária nenhuma.


O senhor acha que a oposição foi irresponsável ao votar contra a CPMF?


Não. Houve ali uma combinação de dois fatos que concorreram para isso. Uma foi a determinação da oposição, particularmente do DEM, em, por um exercício legítimo de convicção política, achar que não deveria continuar a CPMF. E de outro lado, sobretudo, uma tremenda arrogância e incompetência do governo na negociação. Uma enorme arrogância. Usou argumentos do tipo "se não fizer isso, o mundo vai acabar". Argumentos terroristas. E outra: "vocês vão ter que aprovar, porque se não estão defendendo os sonegadores". Isso é falso. A CPMF é um instrumento importante no combate à sonegação. Mas é perfeitamente substituível com a legislação atual. Eu defendo a CPMF e, portanto, fico muito à vontade para falar isso. Mas se apresentava uma proposta que no outro dia era completamente diferente, e no outro dia era outra proposta completamente diferente... portanto, houve uma incompetência flagrante. Não souberam dar uma argumentação adequada. Tinham que falar das qualidades da CPMF e dizer que, no contexto da redução da carga tributária, há outros de qualidade muito pior que a CPMF.

Que empresários também querem que acabe...

Por exemplo, a forma de cobrança da contribuição patronal para a Previdência Social. É um escândalo. Se interpõe entre emprego e tributo. Quer dizer, quanto mais emprego, mais você paga. Quer dizer, é uma insensatez flagrante.

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